Jogos populares infantis

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Jogos populares infantis, 2.ª edição (capa)
2.ª ed. Lisboa : Notícias, 1998. ISBN 972-46-0925-1.

“Embora directamente – pois nem se quer o conhecemos pessoalmente – o autor nada tivesse feito por nós, indirectamente fez algo de muito importante: ajudou-nos a regressar à criança que fomos, quando jogávamos à Macaca, à Bilharda, ao Berlinde, ao Pião e ao Agarra-Agarra, pela simples leitura do seu interessante livro.”

Victor Medanha

Opiniões


“Embora directamente – pois nem se quer o conhecemos pessoalmente – o autor nada tivesse feito por nós, indirectamente fez algo de muito importante: ajudou-nos a regressar à criança que fomos, quando jogávamos à Macaca, à Bilharda, ao Berlinde, ao Pião e ao Agarra-Agarra, pela simples leitura do seu interessante livro.

Estou em crer que, conforme Jesus Cristo fez o favor de lembrar, “se não nos tornarmos como as crianças não entraremos no Reino dos Céus”, por isso – pedindo licença e fazendo vénia a alguns esoteristas – teremos que considerar Jogos Populares Infantis como um livro iniciático.

Explicamos:

No Mundo de hoje as crianças de ontem em lugar de jogarem ao Rapa, ao Carolo, ao Assalto ao Castelo e à Estátua entregam-se a jogos muito mais perigosos a que podemos chamar de Senhor Ministro, Economista, Deputado, Administrador de Empresas e outras brincadeiras que levam a sério.

Tão a sério ao ponto de, na maior parte das vezes, não olharem a meios para atingir fins, atirando o próximo para a valeta da vida num “arreda! arreda!” implacável, nem sequer sonhando que aquilo que fazem aos outros estão, simplesmente e apenas, fazendo a si próprios.

Isto porque todos somos, enquanto vivos, ondas do mesmo mar.

O António Cabral já pensou como seria interessante e saudável, para eles e para nós, se o senhor Ministro X, depois de ler o seu livro, em lugar de redigir um decreto-lei que nos irá seringar a paciência, resolvesse afastar a secretária e as cadeiras do gabinete para, com os colaboradores mais próximos, jogar às Escondidas?

Parece estarmos a vê-lo, com os olhos tapados pela primeira série do “Diário da República”, enquanto os colaboradores se escondiam, dizendo a inevitável lengalenga:

“Serapico, pico, pico
quem te deu tamanho bico
foi a filha do juiz
que está presa pelo nariz
os cavalos a correr
e as meninas a aprender
qual será a mais bonita
que se irá esconder?”

Se ele conseguisse voltar a brincar a esse jogo, atirando para trás das costas o chavão do “parece mal”, do “um homem não chora”, ou do “mesmo quando faz xi-xi nas calças, quando chega a casa diz à mulher que é suor”, ficaria iluminado de imediato.

O mesmo poderia suceder a um desses Executivos chatos, sempre com a pasta James Bond carregada de estatísticas e de “stress”, dominados pelo primitivo vício de se mostrarem profissionalmente agressivos, julgando só assim conseguirem ganhar a vida quando, afinal, a perdem. Caso um grupo deles se reunisse em pleno Rossio e começassem a jogar ao Jardim Celeste, mesmo sem vestirem bibes, alcançariam, no momento, a paz interior do (sic) sábios.

Como seria interessante uma fila desses alicerces da sociedade de consumo a avançar, aos saltinhos, para o obelisco do D. Pedro, cantando embevecidamente:

“Eu fui ao jardim celeste
giroflé, giroflá
Eu fui ao jardim celeste
giroflé, giroflá”
.

E a outra fila responderia:

“O que foste lá fazer?
giroflé, giroflá
O que foste lá fazer?
giroflé, giroflá?”.

Antes que os primeiros explicassem terem ido lá buscar uma rosa o Mundo estaria transformado para melhor.

Por tudo isto tenho de agradecer ao António Cabral a publicação do seu livro e quanto ao adequado emprego da obra, aí deixe-me ficar com legítimas dúvidas.

Talvez isso venha a acontecer um dia…” 1

  1. MEDANHA, Victor – Muito obrigado António Cabral. Correio da Manhã. Lisboa. Ano XIII, n.º 4548 (10-10-1991), pag. 26 ↩︎