A vindima

Avatar de António Cabral

Publicado em

Na última vindima, ao cortar as uvas
que deitava nos baldes, a gente falava alto
e dizia graçolas como nos anos anteriores.
Isso era o que se via. Mas de facto
a gente cortava bocadinhos de si própria
e deitava logo punhados de terra
no vinho que acabava de descer à cova.
Assusta ouvir o silêncio. A toupeira entra
no coração e dói, o que sempre acontece
com um amor aflitivo. Os camiões, rom-rom,
continuam a subir penosamente a ladeira,
mesmo nas descidas. Ao longe fulge
o clarão imenso das cidades.

in O homem que fugiu com o rio às costas (inédito)

Comments

Um comentário a “A vindima”

  1. Avatar de Orlando Miranda
    Orlando Miranda

    Aqui, o António Cabral estava a pensar na sua última vindima. Só um conhecedor profundo da região poderia associar o vinho que cai na vasilha ao “silêncio profundo” .

Newsletter

O correio que traz poesia