Poesia e amoras

Avatar de António Cabral

Publicado em

Quero que este poema saiba às amoras
que pendem em cachos nos muros do caminho.
No meio do vale estou eu só.
Lentamente a manhã possui-me e vibro.

Não há torrão e arbusto que não vibre;
sinto-me irmão de arbustos e torrões.
Aquele medronheiro, verde e ossudo,
entrou-me todo pelos músculos.

Pastor que segues lento pela encosta,
o teu silêncio e a tua paz perturbam-me.
Nesta manhã de Julho urge cantar,
saudar a terra-mãe. Saúda-a. Canta!

Um cavalo relincha. Eia!, esse grito
vem das entranhas da natureza,
enche-te o peito agigantado e irrompe
livre, ardente e livre como um hino.

Belo dia! O sol tomba pelos montes,
transborda como baba fertilíssima.
Ao seu contacto gemem os frutos
e agitam-se os lagartos estendidos.

– Qual pó nem meio pó! O pó é oiro.
Viva, ti Zé. O seu burrico é forte!,
e leva uma tal carga! Rica urgueira!
…Amoras? Sim, senhor: muito obrigado.

Comments

Um comentário a “Poesia e amoras”

  1. Avatar de Jorge
    Jorge

    E tu, gostas de amoras? Vou dizer ao teu pai que já namoras.

Newsletter

O correio que traz poesia