Poemas durienses

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Poemas durienses (capa, 2017)
Guimarães : Opera Omnia, 2017. ISBN 978-989-8858-19-1. Reimpressão do original de 1963 com prefácio de A. M. Pires Cabral. Linóleos de Nuno Barreto.

“os Poemas durienses são uma autêntica explosão de amor pelo Douro”

A. M. Pires Cabral

Opiniões


“Carlos Queirós escreveu um dia estes versos: “– Vamos todos atados uns aos outros. / Não vos doem os pulsos?” Os poetas quer queiram quer não, mesmo dominando as afinidades e acusando a vida pessoal, vão atados uns aos outros. Há quem sinta os puxões de Homero, de Dante, de Claudel, de Valéry. E os pulsos doem. António Cabral, nestes seus belos poemas durienses, sofre o influxo de três estrelas de alta grandeza – Guerra Junqueiro, Pascoais e Miguel Torga. Mas é talvez Torga quem sombreia mais beneficamente esta poesia. Nos seus momentos de melhor concentração, o poeta mostra que recebeu a lição, mas de modo activo e assimilador: “Montes de pedra dura, / gólgotas / onde os geios são escadas! / Venham ver como sobe o desespero / e a esperança, de mãos dadas.”

As duas notas mais fundas da poesia de António Cabral neste livro vão para a terra transmontana, dramática e revolta, e para o homem, sobretudo o humilde, que por lá moireja e sua as estopinhas. A poesia da natureza agita-a uma sintaxe bem articulada, e patente emoção dá frémito aos poemas, mas o maior mérito vai para as composições onde surge o homem e o seu drama, e a expressão se condensa. O drama, porém da vida dura, inglória, acusa-se não tanto nos poemas, um nadinha ralhados, como nos terreiros neo-realistas, quanto naquela excelente poesia que é – “Descalça vai para a fonte” (…)

Estes poemas são realmente durienses: rocha, fundões plutónicos, vindimas, neves, chão de vida castigada. De longe, parece que essa vida deve ser formosa por lá. Mas tal como a Leonor, entrevista pelos versos de António Cabral, não parece que vá muito segura. Mas é bom que “lá nos altos montes, sem trigais nem vinhas” se erga a voz dos poetas a celebrar, mais que as ermidas e os cerros marânicos, as vidas baças por fora e luminosas por dentro. António Cabral é poeta de cepa. Corte alguns sarmentos que se lhe enrolam nas barbas de Junqueiro, e não deixe que Torga lhe oprima de mais o pulso da escrita. Não lhe falta inspiração.” 1


“Mas, se tivéssemos de escolher um espaço de inspiração por excelência – esse espaço seria o Douro, sobretudo a partir desse livro de extraordinária força que são os Poemas durienses. É certo que já antes em O mar e as águias, assim como em Falo-vos da montanha e A flor e as palavras, já aparece o tema do Douro num ou outro poema. Mas os Poemas durienses são uma autêntica explosão de amor pelo Douro. Seria útil enquadrarmos essa obra na circunstância de António Cabral. O livro é, como já dissemos, de 1963. Em 1962, criara-se em Vila Real, onde António Cabral já vivia, um grupo que se pretendia de intervenção cultural: o Movimento Setentrião, já referido. Era constituído por jovens estudantes e outros, cujas opções políticas eram bem conhecidas. António Cabral, por sua vez, era também um homem de esquerda. O Movimento Setentrião gerou entusiasmos de intervenção cívica nos seus elementos, e o nosso poeta – unanimemente reconhecido como mentor do grupo -, galvanizado por esse entusiasmo, não negou o seu contributo, publicando na Colecção Setentrião os seus Poemas durienses, que obteve logo um considerável reconhecimento público, por ser um olhar novo sobre a região do Douro, de um autor que punha mais ênfase nos dramas e epopeias do homem do Douro do que nas belezas paisagísticas e no folclore que, salvo raras excepções, até então andavam associados à poesia duriense.”2


“‘Realismo’ e ‘humano’ eram dois conceitos caros ao poeta. ‘Realismo’, para ele, equivalia à recusa de uma literatura socialmente inócua, descomprometida. E no ‘humano’ via sobretudo o sofrimento das gentes do seu Douro natal – aquela que, numa epopeia gigantesca, construiu a terra do vinho e que, no momento de tomar partido, ele escolhe como sendo a sua gente. Unindo os dois conceitos, António Cabral pôde escrever estes versos nos Poemas durienses: “Eu não irei convosco, puros habitantes do sonho. / O meu lugar é aqui, entre os homens: / falo a sua linguagem, sinto as suas dores […]”.

A contemplação dos dramas laborais do Douro, ao mesmo tempo comovida e amotinadora, já tinha frutificado em obras de ficção, algumas bem pungentes, como certos contos de Sangue plebeu, de Pina de Morais, ou o romance Escravidão, de Mário Bernardes Pereira. Mas a poesia mantinha-se asséptica e aristocrariamente arredada. Preferia extasiar-se ante a beleza dos socalcos ou a excelência do vinho fino.

Os Poemas durienses demarcaram-se firmemente desta tradição de poesia amável e rasgaram caminhos poéticos alternativos à concepção mitológico-turística do Douro. “lá em baixo, na curva do rio, / vazadouro e fornalha, está o Pinhão. // Belo!, belo! – dirá o turista. / E o burocrata: progressivo. // Mas o Pinhão não é nada disso, / é mais do que isso, não é nada // do que mostram os documentários de cinema / ou qualquer “Life” comercial. // Pinhão!, capital do suor, os teus caminhos / são pedaços de sangue coagulado.””3

  1. MAIA, João – Poemas Durienses. Brotéria. Lisboa. Vol. LXXVIII, n.º 5 (Maio de 1964), pag. 648 ↩︎
  2. CABRAL, A. M. Pires – Viajar com… : António Cabral. Vila Real: Direcção Regional da Cultura do Norte, 2009. ISBN 978-989-8100-31-3. pp. 27-28 ↩︎
  3. CABRAL, A. M. Pires (pref.) – Um livro-programa. Poemas Durienses. Guimarães. Opera Omnia, 2017, pp. 12-13 ↩︎