Aquela noite ficou na história do Douro como das mais frias de que há memória. Os homens regelaram até ficarem inteiriçados. Um deles, a certa altura, meteu o dedo num buraco da rede e cantarolou:
– Que frio fai lá fora!
Os restantes, idem, aspas, e começaram a encostar-se uns aos outros, à procura de alguma quentura que por ali andasse perdida. Ouviam-se então ruídos, como se foram de castanholas. Os próprios sonhos ficaram encodados. De manhã, mal acordaram aos primeiros raios de sol, queriam erguer-se, mas não podiam. E, quando iam para falar, a água não corria. Até que o pescador passou pelo sítio e um deles, a quem a luz tinha conseguido entrar na boca, lá se fez entender:
– Ó meu senhor, faça a esmolinha de me dizer quais são as minhas pernas, pois quero-me levantar e não acerto com elas.
O pescador, que ia com um fueiro na mão, não teve outro remédio senão malhar a bom malhar nas pernas do suplicante.
– Vós também quereis?
– Se faz favor.
– Estas são as minhas pernas. Muito obrigado, patrón – gaitou o primeiro.
– E estas as minhas. E estas as minhas.
Repetiam-se uns aos outros, como se estivessem a ser desembrulhados. O pescador ria-se a bom rir, enquanto eles iam arribando, tem-te-não-caias. E. depois de codearem, foram-se dali à procura de trabalho que não custou a arranjar, pois eram sãos como peros e tinham boa cara. Etc.,etc., até que chegou o Verão e o trabalho começou a escassear. Continuavam unidos, porém. Para o que desse e viesse.