I
Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura:
vai formosa e não segura.
II
Se tivesse umas chinelas
iria melhor…; mas não:
co dinheiro das chinelas
compra um pouco mais de pão.
Virá o dia em que os pés
não sintam a terra dura?
Leonor sonha de mais:
vai formosa e não segura.
Formosa! Não vale a pena
ter nos olhos uma aurora
quando na vida – que vida! –
o sol já se foi embora.
Se os filhos se alimentassem
com a sua formosura…
Leonor pensa de mais:
vai formosa e não segura.
Há verdura pelos prados,
há verdura no caminho;
no olmo de ao pé da fonte
canta, livre, um passarinho.
Mas ela não canta; não,
que a voz perdeu a doçura.
Leonor sofre de mais:
vai formosa e não segura.
Porque sofre? Nunca soube
nem saberá a razão.
Vai encher a talha de água,
só não enche o coração.
Virá um dia… virá…
Os olhos voam na altura.
Leonor não anda: sonha.
Vai formosa e não segura.
Música e interpretação por Francisco Fanhais