11. Nós todos três

Quinta do Roncão : Robertson Brother e Cª. por Emílio Biel

Resolveram então aprender melhor a nossa língua e por isso deitaram sortes para escolherem três deles, que numa tarde de domingo foram à taberna, demorando-se lá um bocado a jogar a bisca lambida, mas sobretudo atentos à mesa do lado onde três magnates da aldeia se distraíam com outro jogo. Ouviam mais do que jogavam e, passada uma hora, resolveram sair porque se julgavam na posse do essencial da língua de Camões.

Um sabia dizer na perfeição: “nós todos três”; o segundo, “cá por causas”; e o terceiro, “pois ‘stá claro”. Regressavam no dia seguinte do trabalho, pelo anoitecer, quando, a meio caminho, ouviram um tiro, supondo eles naturalmente que se tratava de algum caçador de javardos, pois viram-se muitos por ali. Mas qual não foi o seu espanto, quando descobriram, mais adiante, um homem ensanguentado que lhes meteu muita pena, não sabendo o que haviam de fazer. Ali estiveram algum tempo, pondo-lhe um lenço tabaqueiro num buraco aberto no peito, até que chegaram o regedor e um cabo de ordens, verificando-se que o homem estava morto. O regedor dirigiu-se então aos galegos:

– Sabeis quem matou este homem?

– Nós todos três – disse um.

– E porquê?

– Cá por causas – disse outro.

– Então agora ides presos.

– Pois ’stá claro – concordou o terceiro, convencido de que tanto ele como os amigos tinham aprendido finalmente a falar bom português.

O grupo dos simpáticos galegos estava agora desfeito. Um deles que bem sabia da inocência dos camaradas, tidos injustamente como assassinos, ainda foi tirar satisfações com o cabo de ordens. Mas, palavra puxa palavra, acabou por levar umas bordoadas. Os galegos, agora vinte e dois, decidiram regressar à sua terra, bem desiludidos com a sorte. Aproximavam-se as vindimas que boas negaças lhes faziam com um cheirinho a dinheiro fresco, mas eles, ná, botaram-se ao caminho. Alguém ouviu cantarolar:

“Fui ao Douro às vindimas,
não achei que vindimar.
Vindimaram-me as costelas
– Olha o que eu lá fui ganhar.”
 

in Douro – Estudos e Documentos, Outubro 2004