Nestas historinhas de galegos a quem o Douro muito deve mantenho, quanto à estrutura diegética, o que me foi contado sobretudo pelos meus pais, quando eu era ainda criança, e que numas curtas férias de Entrudo, passadas com a minha mulher em Castedo do Douro (8-13, Fevereiro, 2002), relembro com a minha irmã que me aviva a memória. Emprego algumas palavras não portuguesas tal como sempre as ouvi; e outras ainda que fazem parte da fala regional. Acrescento que no Douro, desde meados do século XVIII até princípios do século XX, os galegos eram empregados nos trabalhos mais duros, razão por que, segundo me contou Isaac Estravis, na sua aldeia natal, perto de Ginzo de Lima, as mães, quando se querem fazer obedecer pelos filhos pequenos, ainda hoje dizem: faz isto, se não boto-te ao Douro. Entravam pelas bandas de Montalegre e de Chaves, donde também vinham alguns homens, o que explica que certas historietas, a começar logo pela primeira (de três tenho eu conhecimento e Bento da Cruz regista-as no seu livro “Histórias da Vermelhinha” de 1991), aí se tenham divulgado, com variantes.
Estima-se que a colónia galega atingiu cerca de 40% dos trabalhadores diários, sobretudo nas vindimas. Nos roteamentos ou saibramentos os nossos vizinhos demoravam-se muito mais. Muitos acabaram por se radicar e ainda hoje há famílias de ascendência galega reconhecida. Havia trabalhadores doutras proveniências: montanheiros (das zonas montanhosas a norte do rio), longroivos (de Longroiva – os que vinham das montanhas a sul), vareiros (da zona de Ovar) e minhotos, etc. A presença vareira e minhota foi-se diluindo. Repare-se porém nesta sugestiva quadra popular:
A Régua era bonita,
se não tivesse dois erros:
passeada de vareiros,
ladrilhada de galegos.
Quanto às historinhas, uma nota sobre o começo. A uma senhora de Lagoaça (Freixo de Espada à Cinta) ouvi a seguinte versão: “Era uma vez vint’once galegos como vint’once burros e o mais pequeno era com’a mim”. Perguntei por que é que os galegos eram comparados a burros e ela (Amélia Figueira, agora em 2004 com 98 anos), disse-me prontamente: “Então não vê? Eram grandes como burros. Só um é que era pequeno”. Tal interpretação não invalida a que pode deduzir-se destas facécias em que a esperteza dos nossos vizinhos deixa algo a desejar, o que de resto coincide com anedotas que ouvi em outras regiões de Espanha. A passagem relativa aos galegos que só sentem as suas pernas à base de pancada, tem também outra versão em Lagoaça. A estúrdia é dada logo no início da narrativa, quando os galegos (desistindo da contagem porque o contador, não se contando a si, era incapaz de acertar com o número) pediram a um português que os contasse. Este, postando-se à entrada da ponte, propôs aos galegos que fossem passando, um a um, enumerando-os à bordoada, até ao número trinta e um (vint’once).
Em “Cantares Galegos” (1863) Rosalía de Castro fez-se eco do que ela julga uma injustiça e aconselha: ”Castellanos de Castilla, / Tratade bem ós galegos”. A Galiza anedótica de Portugal tem sido o Alentejo, o que num caso e noutro, significando uma graçola étnica bem mordaz, acaba por se converter num sorriso folclórico.